Chegamos ao final de 2022. Com o prenúncio de um novo ano, caminhamos rumo a um horizonte que sempre se abre diante de nós, ao mesmo tempo em que evocamos o passado e significamos o presente, para abraçar – com esperança – o futuro. Evocar a trajetória de junho de 2019 até dezembro de 2022, é abrir espaço para compartilhar sentidos sobre tudo que vivemos, enquanto Escola, nesses três anos e meio em que assumimos a Direção Pedagógica. Na introdução do nosso Plano de Gestão, amplamente compartilhado com a comunidade escolar em 2019, já afirmávamos que aquele plano – com suas inquietações, possibilidades de ação e proposições – refletia um cotidiano vivido e sentido por profissionais, famílias, crianças e jovens numa obra permanente e coletiva em educação, e que, seguindo Paulo Freire, “o futuro não poderia ser previsto, mas futuros poderiam ser inventados.” Não imaginávamos a intensidade dessa afirmação e a força dessa imprevisibilidade nos meses subsequentes. Desde março de 2020, nosso Plano de Gestão, mesmo mantendo seus princípios, ganhou uma nova rota com um inédito sobrenome: Plano de Gestão Pedagógica em Tempos de Pandemia. Uma nova rota – sem precedente histórico – precisava ser inventada, viabilizando um plano de gestão em educação cada vez mais implicado com a obra essencial da vida. Foi assim que iniciamos 2020, com uma nova arquitetura educativa e organizacional em Núcleos da Infância e da Juventude. Cheios de sonhos e planos comunitários, ainda no início de março, realizamos o tão esperado piquenique de integração com famílias. Uma escola que transbordava vida num cotidiano preenchido pela energia e alegria das crianças e dos jovens. De repente: pausa, silêncio, vazio. Em 17 de março, por decreto governamental, tivemos a suspensão das atividades presenciais em função do estado de excepcionalidade e calamidade pública causado pela pandemia da Covid-19. Era preciso pensar, sentir, escutar, acolher e tentar cuidar da equipe de profissionais, ao mesmo tempo em que precisávamos apoiar as famílias para que, juntos, pudéssemos cuidar do que temos de mais valioso- nossas crianças e jovens. Desde então, tivemos que exercitar, de forma intensa e cotidiana, a coragem de nos reiventarmos – humana e pedagogicamente – enquanto comunidade. Diante da incerteza, envolvidos pela aridez dos tempos e a tristeza das notícias no contexto pandêmico, permeados por tensionamentos de toda ordem (política, sanitária, científica, econômica e social), precisávamos enfrentar problemas éticos e estruturais difíceis, abraçar com coragem a nossa responsabilidade enquanto comunidade educativa. Lidamos com questões complexas e que exigiam respostas rápidas, não havendo consensos – nem governamentais, nem científicos, muito menos pedagógicos – sobre qual melhor caminho seguir. Tivemos a força de assumirmos nosso protagonismo, abarcando a responsabilidade de fazermos escolhas pautadas na ética do cuidado. Não poucas vezes, fomos “contra-corrente” diante de todas as formas de pressão, mas sempre buscando afirmar nossos princípios de bem-comum e identidade comunitária. A criação do Comitê Covid e, após, do COE-E Local, formado por representantes de segmentos de toda a comunidade escolar, constituiu um fórum de participação em que juntos, na diversidade de conhecimentos e experiências e na busca de consensos pautados no diálogo permanente sobre as mais atualizadas evidências científicas, bem como, na escuta sensível de nossa comunidade, fomos construindo decisões (nada fáceis!) e protocolos (dinâmicos e atualizados frente às mudanças no controle pandêmico), sempre com o jeito de ser e cuidar do João. A elaboração do nosso Plano de Ação Pedagógica e do Guia de Protocolos e Orientações à Comunidade, refletiu o cuidado com a educação e o cuidado com a saúde – duas dimensões que se articularam compondo de modo indissociável o cuidar e o educar, tanto no que se referiu às atividades domiciliares, ao currículo híbrido e ao projeto de retorno à presencialidade. Envolver os protagonistas da Escola na construção do projeto de retorno, através dos diversos encontros comunitários, suscitou redes de cuidado e construção coletiva, pautadas em premissas de um retorno facultativo, gradual e escalonado em pequenos grupos de estudantes e profissionais. Para implementação de um currículo híbrido (presencial e virtual) foi necessário articular esforços contínuos de reorganização de tempos – cronogramas diversos de horários de aulas para grupos escalonados; espaços apropriados de salas com distanciamento entre classes e ventilação cruzada, áreas ao ar livre com projetos arquitetônicos de pergolados e gazebos; implementação contínua de recursos estruturais e tecnológicos. Erramos e acertamos muitas vezes nesse percurso, num aprendizado permanente de inventar várias formas de ser/fazer/viver a escola nas telas, com elas e além delas. O currículo do reencontro, assim chamado no projeto de retorno gradativo à presencialidade, abarcou a complexidade de conciliar condições objetivas de biossegurança e condições subjetivas de acolhimento, considerando os impactos emocionais, físicos, cognitivos e relacionais que atingiram crianças, jovens e adultos.
Concluímos 2020 e iniciamos 2021 com a esperança e o propósito maior de acolher e reintegrar socialmente estudantes, profissionais e famílias. Infelizmente, logo no início de 2021, novamente vivemos a suspensão das atividades presenciais e, num ir e vir, gradativamente, vivemos um retorno escalonado num projeto híbrido em educação. Em meio a tantos desafios, aprendemos muito sobre coragem e empatia, resiliência individual e coletiva, capacidade de se adaptar e se reiventar enquanto comunidade. Acima de tudo, aprendemos que os maiores desafios que enfrentamos não podem ser resolvidos isoladamente. Essa tomada de consciência de nossa interdependência, veio acompanhada de outra: a da imprevisibilidade constitutiva da vida. É preciso nos educarmos e educarmos nossas crianças e jovens a sermos capazes de lidar com o inesperado e a enfrentar a incerteza, tendo confiança em nós mesmos e nos outros. A fonte de toda esperança é a confiança no potencial humano, em sua surpreendente capacidade adaptativa, na inteligência que nos move e na afetividade que nos conecta. Manter a mente e o coração abertos para aprender sempre, foi o que exercitamos juntos, construindo redes de cuidado e construção coletiva. Em 2021, em meio à pandemia, vivemos a retomada de iniciativas de educação antirracista iniciadas em 2019, com a formação do Coletivo Antirracista criado por famílias, profissionais e estudantes, o que ensejou muitos movimentos de articulação comunitária, formação docente, estudos curriculares e políticas institucionais que ganham cada vez mais força em nossa proposta política e pedagógica. Atualmente, em 2022, por deliberação da equipe técnica, definimos que os processos seletivos darão preferência para profissionais pretos/ pardos/indígenas. Dessa forma, numa ação afirmativa, ampliamos o número de profissionais negros e pardos em cargos da equipe técnica e docente da Escola. Temos muito a avançar, mas estamos cada vez mais esperançosos com iniciativas que inauguram verdadeiros movimentos de equidade racial no João, como o recente projeto “João de Todas as Cores”, idealizado pela Diretoria Executiva, e que garante bolsas parciais (50%) para estudantes negros (pretos + pardos) ou indígenas. Ainda no ano de 2021, após 21 anos sem atualização, conseguimos trabalhar intensamente na revisão do Regimento Escolar, documento que normatiza o funcionamento pedagógico e administrativo da Escola. Essa foi uma preocupação que havíamos elencado no Plano de Gestão, endo urgente a atualização dessa documentação junto aos órgãos oficiais. Foi um trabalho árduo, mas uma necessária conquista na regulamentação legal e funcional da Escola.
No contexto da pandemia, também os estudos e projetação do Novo Ensino Médio foram foco de discussões e planejamento envolvendo estudantes, profissionais e famílias. Um movimento reflexivo e propositivo que não simplesmente acatou passivamente uma nova legislação, nem tampouco negou sua exigência, mas foi capaz de estabelecer contrapontos críticos e dialogar com ela, construindo possibilidades para a emergência de um currículo com a identidade pedagógica, política e cultural do João, o qual vem sendo implementado gradativamente, desde fevereiro de 2022, e que envolve a avaliação contínua de profissionais, estudantes e famílias. Um desafio e uma potência para se qualificar e inovar as experiências currículares do Ensino Médio, possibilitando que nossos jovens construam projetos de vida plenos de sentido pessoal e comunitário. Em 2022, além da implantação gradativa do Novo Ensino Médio, iniciamos os estudos de atualização do Projeto Político Pedagógico da Escola, através de grupos de trabalho envolvendo todos professores e representações de toda a comunidade. Temáticas como concepções de educação, infância e juventude, currículo, inclusão e avaliação, foram abordadas e precisam continuar sendo discutidas e aprofundadas. Faz-se necessária uma (re)significação permanente e comunitária do PPP, conectando-o com os desafios, complexidades e transformações contemporâneas, a fim de expressarmos a escola que somos, desejamos e projetamos com e para nossas crianças e jovens. Vivemos, desde junho deste ano, a alegria de ver concretizado o espaço do Lab23 – Laboratório de Criação e Invenção, idealizado em 2019 pelo Comitê de Inovação e que abre múltiplas oportunidades para um currículo que integra a escola do saber com a da expressão e da invenção. Este espaço tem sido cada vez mais integrado às experiências curriculares, o que foi evidenciado junto à comunidade durante as Jornadas Científica e Matemática, realizadas esse ano. Desejamos que o Lab23 abarque cada vez mais uma multiplicidade de áreas de conhecimento e linguagens que não dissociam cultura científica e humanística, em que as mãos e mentes de nossos estudantes estejam livres para pensar, projetar e criar. Nesse contexto de vida comunitária que voltou a pulsar no João, vivenciamos a criação dos Clubes (de Cinema, de Produção Audiovisual, de Matemática e de Ciências), a retomada das Jornadas – Literária, Matemática, Científica e Cultural, das Bandas J23, das Equipes Esportivas (Handebol, Futsal, Vôlei, Beach Tennis, Futebol Feminino), das Saídas de Campo, das Olimpíadas, do já famoso Feijoão e do afetivo Encontro Comunitário, o tão esperado Festival de Música e as Gincanas.
Em meio a essas alegrias, compartilhamos também tristezas profundas, como a perda irreparável de estudantes, familiares e pessoas queridas da nossa comunidade. Seres que, mesmo ausentes fisicamente, continuam presentes, pois se tornaram parte da gente também. Em meio às dores compartilhadas, aprendemos que cuidar em conjunto é a base para a vida em comunidade. Nos reunimos para o consolo mútuo e para o apoio recíproco. Esse cuidar em comunhão não apenas pede por uma comunidade, mas também a fortalece, reafirmando o nosso compromisso com a vida. Esse é o verdadeiro tesouro do encontro humano, junto com a crença de que, numa comunidade, vamos nos alegrar e também sofrer juntos, exercitando empatia, confiança, compaixão, generosidade e esperança. Esses são os elos que nos fortalecem e nos fazem projetar e viver, juntos, o futuro. Enquanto Direção Pedagógica, após a inclusão no Regimento Escolar, implementamos o Conselho Consultivo Diretor, colegiado vinculado à Direção Pedagógica e composto por membros representativos dos diferentes segmentos da comunidade (professores, estudantes, equipe técnica, profissionais do apoio pedagógico e administrativo, gerência administrativa e diretoria executiva). Esse colegiado tem colaborado consultivamente com a Direção Pedagógica no fomento de uma cultura dialógica, colaborativa e democrática, que possibilita a busca de compreensão da realidade institucional com a participação de diversas vozes e competências que se somam no desenvolvimento de ações e projetos, envolvendo temáticas da comunidade escolar. Foram tão importantes e ricos esses momentos de partilha, num espaço seguro em que foi possível ampliar compreensões sobre o que se vive na Escola. Junto desse colegiado, e a partir das diversas experiências, sentimentos e encontros junto a toda comunidade escolar, compartilhamos apontamentos expressos no Conselho Deliberante do dia 13 de dezembro, enquanto falávamos sobre desafios e potências numa perspectiva de gestão e educação comunitária. Dentre eles, destacamos a importância de uma compreensão coletivizada sobre o significado de “escola privada com princípios de gestão e educação comunitária”. De tal forma que possamos avançar na construção de uma cultura institucional que promova o envolvimento de todos na construção de um projeto educacional comum, ao mesmo tempo em que se reconheçam e legitimem papéis e responsabilidades distintas entre famílias/ profissionais/ estudantes, assim como entre Conselho Deliberante/ Diretoria Executiva/ Diretoria Pedagógica/ Gerência Administrativa e Financeira/ Associação de Profissionais/ Grêmio Estudantil e Conselho de Alunos. A ética desses encontros promove um clima de confiança básica nos processos e nas pessoas.
Desenvolver essa confiança significa descobrir que temos algo precioso em comum, bem como, significa reconhecer e valorizar aquilo que nos separa, diferencia e enriquece. Desempenhamos o trabalho de criar comunidade: uma unidade dentro da diversidade. Partilhamos a preocupação mútua de tornar a escola melhor, de garantir a sustentabilidade pedagógica e financeira dessa “obra comum em educação” (Zilah Totta), de criar condições para todas as crianças e jovens viverem plenamente seus tempos de infância e juventude, se desenvolverem e aprenderem em ambientes seguros e estimulantes; para os profissionais realizarem seu trabalho com dignidade, reconhecimento e comprometimento técnico e ético; para as famílias encontrarem redes de apoio e afirmarem o valor da parentalidade: esse é o propósito comum que compartilhamos e a base para confiarmos uns nos outros. Tentamos, através dessa longa escrita, porém curta diante de tudo que vivemos e poderíamos contar, trazer uma narrativa pessoal do tanto que aprendemos nesses três anos e meio na função de Direção Pedagógica. Narrar, diferente de informar, é um modo de reviver e interpretar o vivido. Nos convida a olhar de novo e sempre melhor, mais aprofundadamente para aquilo que somos e fazemos enquanto co-protagonistas dessa comunidade educativa. Com olhar reflexivo, critico, sensível e empático frente aos caminhos percorridos, reconhecemos a dialética da experiência humanamente vivida por todos nós nesses últimos anos. Narrar, pode ser, enfim, uma “obra aberta” (Umberto Eco) para se pensar, projetar e melhorar! Enquanto comunidade, precisamos nos sentir parte desse destino comum, continuar abraçando com responsabilidade e amorosidade essa “obra comum em educação”. Diante das incertezas e dos tensionamentos, temos de seguir juntos enfrentando os desafios e valorizando nossas potencialidades individuais e coletivas, desenvolvendo confiança emocional e intelectual para aprender com os problemas, conflitos e dissensos; exercitando empatia, respeito e tolerância recíproca; vibrando com nossas conquistas e tendo humildade para reconhecer dificuldades, bem como força para admitir que somos todos, simultaneamente, seres falíveis e potentes. Humanos e diversos. Todo aprendizado exige de nós uma abertura constante, uma disposição genuína para crescer em comunidade. Pautadas por tudo que sentimos e aprendemos em nossas trajetórias no João, movidas pela inspiração sempre presente dos professores fundadores dessa Escola e do legado de todos que fazem parte dessa história educacional há 58 anos, afirmamos a crença na educação enquanto experiência comunitária, desejando que, junto às professoras Paula e Cida, que assumem a Direção Pedagógica em janeiro de 2023, possamos construir futuros com solidariedade e esperança comunitária.
Nesses três anos e meio… “Como em todas as grandes aventuras, nossa trajetória transformou-nos. Tornamo-nos quem somos com mais totalidade ao fim da jornada – nos tornamos inteiros.” (bell hooks) Nos tornamos GRATAS por tudo que vivemos, sentimos e aprendemos junto a todas pessoas, miúdas e grandinhas, do nosso João. Com carinho, sem esconder o natural cansaço – fruto desses anos tão desafiadores e intensos – nos despedimos do lugar de Direção Pedagógica, mas seguiremos nos lugares dos quais nunca saímos – os de educadoras dessa Escola que tanto amamos. Desejamos a todos/as um 2023 em que a esperança, a união e a diversidade andem juntas, pois o relacionamento entre elas reflete uma verdade ética, política e educacional sem a qual não é possível existirmos enquanto pessoas, enquanto comunidade e enquanto nação. Nos momentos alegres e tristes, que sejamos capazes de colocar a generosidade e a esperança na centralidade da vida. Essa sempre será a mais bela lição que podemos oferecer às nossas crianças e aos nossos jovens. Afetuosamente, Márcia Valiati e Rosane Rodriguez Direção Pedagógica (junho de 2019 a 31 de dezembro de 2022)